14

July

2025

O papel de diversos suplementos na síndrome dos ovários policísticos

Revisar e entender os potenciais efeitos benéficos de vitaminas e antioxidantes no campo da infertilidade em pacientes com SOP.

Introdução

A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é uma condição complexa, multifatorial e frequentemente caracterizada por distúrbios hormonais, resistência à insulina e inflamação sistêmica. Considerando a prevalência desta síndrome e os impactos significativos na saúde das mulheres, principalmente sobre o campo reprodutivo, diversas abordagens terapêuticas têm sido investigadas. Dentre elas, a suplementação nutricional tem se destacado como uma intervenção potencialmente eficaz para melhorar os sintomas e os resultados reprodutivos em mulheres com SOP.

Nos últimos anos vê-se uma maior preocupação dos pesquisadores no campo da suplementação alimentar, com a popularização do assunto também na sociedade em geral, visto que a maior parte dos estudos encontrados são recentes.

Nesse sentido, em dezembro de 2024 foi publicado uma Meta-Análise intitulada “The Role of Nutrient Supplements in Female Infertility: An Umbrella Review and Hierarchical Evidence Synthesis” comparando a aplicabilidade de diversos suplementos versus não os utilizar ou em contraposição ao placebo, sendo o pontapé inicial de nosso resumo.

Dentre a ampla disponibilidade de compostos, fórmulas e combinações, tivemos maior atenção para: L-carnitina, coenzima-Q10 (coQ10), melatonina, N-acetil-cisteína (NAC), mio-inositol e vitamina D, uma vez que há maior disponibilidade de dados acerca desses componentes.

Objetivos

Revisar e entender os potenciais efeitos benéficos de vitaminas e antioxidantes no campo da infertilidade em pacientes com SOP.

Métodos

‍Foram revisados, em nosso estudo, componentes como: L-carnitina, coQ10, melatonina, NAC, mio-inositol e vitamina D. A pesquisa foi realizada em março de 2025 na base de dados PubMed (National Library of Medicine), com levantamento dos principais trabalhos publicados nos últimos anos.

Resultados

A vitamina D (25-OH-vitamina D) é um esteroide produzido diante da exposição solar e correlaciona-se com diversas vias metabólicos do organismo. Níveis séricos abaixo de 30 ng/mL afetam negativamente a capacidade reprodutiva das mulheres. Sabe-se que o uso de calcitriol (forma mais ativa de vitamina) modula positivamente a expressão de HOXA10 (gene homeótico marcador de receptividade endometrial envolvido na implantação do embrião). Em casos de anovulação crônica por SOP, níveis adequados dessa vitamina aumentam as chances de gestação durante as técnicas de reprodução assistida (9 ECRs, n = 1677; OR 1,49, IC 95% 1,05 a 2,11, p = 0,02, I2 =54%; evidência de certeza muito baixa). A probabilidade de gravidez diminui 44% em pacientes com vitamina D abaixo de 30 ng/mL. Nos processos de fertilização in vitro (FIV), níveis suficientes de vitamina D estão associados a uma melhor qualidade dos embriões e maior taxa de sucesso na gravidez, mesmo com oócitos doados. Portanto, a luz dos conhecimentos atuais, em mulheres sem deficiência de vitamina D (>20ng/mL), recomenda-se o uso entre 2000 e 4000 UI/d (50 a 100 μg/d), sendo seguro mesmo a longo prazo. Já para aquelas que apresentam níveis insuficientes dessa vitamina, pode ser necessário também realizar doses maiores (em curtos intervalos de tempo) até que se atinja níveis aceitáveis.

O inositol desempenha um papel na manutenção da homeostase da glicose, na ação da insulina e na regulação do ciclo menstrual. Em mulheres com SOP, o inositol é utilizado para melhorar o perfil metabólico, reduzir o hiperandrogenismo e aumentar a ação do hormônio folículo-estimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH), promovendo melhoras no micro-ambiente e na função dos ciclos ovulatórios. As fontes naturais de inositol compreendem frutas cítricas, repolho, batata-doce, amendoim, germe de trigo, lecitina de soja, fígado, pão integral, nozes, feijão e arroz. Dois ensaios-clínicos randomizados (n = 220; RR = 1,52, IC 95%: 1,05 a 2,18; p = 0,03, I2 = 3%; evidência de baixa certeza) notaram maiores taxas de gravidez clínica em mulheres com SOP quando utilizaram mio-inositol em comparação com o uso isolado de metformina. Assim, recomenda-se a suplementação com mio-inositol na dose de 2 a 4 gramas por dia, durante pelo menos 12 semanas antes da indução da ovulação, de forma isolada, uma vez que seu biodisponibilidade combinado a outros suplementos é incerta.

A L-carnitina é um aminoácido produzido a partir da lisina e da metionina. Sua ação envolve a melhora da resistência à insulina consequentemente interferindo na qualidade do óvulo e oferecendo um ambiente favorável ao endométrio. Suas propriedades anti-inflamatórias contribuem para melhorar a composição corporal e a viabilidade espermática, além de aumentar a taxa de motilidade espermática. Estudos recentes sugerem que a suplementação com L-carnitina, na dose de 1g por dia, demonstra um aumento das taxas de ovulação em mulheres com SOP resistente ao clomifeno com melhora nas taxas de gravidez clínica (2 ECRs, n = 450; OR 11,14, IC 95% 5,70 a 21,81; p < 0,001, I2 = 85%; evidência de certeza muito baixa).

A coQ10 é uma estrutura lipossolúvel, intermediária do sistema de transporte de elétrons nas mitocôndrias e antioxidante para manter a homeostase redox. Está endogenamente presente nas células do corpo desempenhando um papel crucial na produção de energia celular. Fontes alimentares ricas em coQ10 incluem sardinhas, óleo de soja, nozes e fígado bovino. Seus benefícios na reprodução assistida são destacados à medida que contribui para a melhoria da qualidade oocitária, promovendo a ovulação, diminuindo os níveis de testosterona total e aumentando a taxa de sucesso na implantação dos embriões. Estudos indicam que a suplementação em doses que variam de 50 a 600 mg por dia (com dose máxima de 1200mg), pode ser particularmente benéfica para pacientes com maior risco de estresse oxidativo ou histórico de baixa qualidade embrionária.  Quatro ensaios clínicos randomizados (n = 397; OR 2,49, IC 95% 1,50 a 4,13; p < 0,001, I2 = 47%; evidência de certeza muito baixa) foram desenvolvidos, nesse sentido, com aumento nas taxas de gravidez clínica em mulheres com SOP resistente ao clomifeno, quando comparado ao placebo ou nenhum tratamento.

A melatonina é um hormônio peptídico natural secretado pela glândula pineal e por diversos tecidos extra-pineais, como útero, ovários e placenta. Possui propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias que contribuem para a desaceleração do envelhecimento ovariano a partir da capacidade em modular a transcrição de genes, diminuindo a concentração de radicais livres no líquido folicular. Além disso, a melatonina desempenha um papel crucial na regulação do ciclo menstrual ao influenciar o ciclo circadiano e melhorar a qualidade do sono. Ademais, parece estimular a produção de progesterona pelo corpo lúteo, conferindo manutenção de sua função e ajudando a manutenção da gravidez inicial. Em pacientes com endometriose, insuficiência ovariana prematura e SOP, a deficiência de melatonina no líquido folicular parece ter relação com pior qualidade oocitária. Recomenda-se doses de 2 a 10mg ao dia, com preferência de 3mg naquelas situações de maior risco de estresse oxidativo ou história de má qualidade embrionária, observando aumento nas taxas de gravidez
clínica em mulheres com SOP resistente ao clomifeno em comparação com placebo
ou nenhum tratamento (7 ECRs, n = 678; OR 1,66, IC 95% 1,12 a 2,47; p = 0,01, I2 = 0%; evidência de certeza muito baixa).

A NAC é derivada do aminoácido cisteína, atuando como precursor da glutationa. A suplementação de NAC, na dose de 1,8g ao dia tem demonstrado benefícios significativos na melhoria da ovulação, particularmente através da atuação na resistência à insulina, dessa forma , além de reduzir o estresse oxidativo, também promove a redução do hirsutismo e da acne em pacientes com SOP. A suplementação de NAC levou a maiores taxas de gravidez clínica em comparação com nenhum tratamento (2 RCTs, n = 177; OR 2.15, 95% CI 1.01 to 4.60; p = 0.93, I2 = 0%; evidência moderada) ou em comparação ao placebo (8 RCTs, n = 1601; OR 2.14, 95% CI 1.05 to 4.37, p < 0.01, I2 = 74%; evidência de certeza baixa).

Conclusão

Ao longo dos últimos anos, cresceu o interesse sobre o impacto da suplementação de vitaminas e minerais na saúde reprodutiva da mulher, especialmente no contexto da SOP. Embora haja incertezas sobre os efeitos de muitos nutrientes e antioxidantes no sucesso reprodutivo dessas mulheres, evidências atuais sugere que suplementos como L-carnitina, coQ10, melatonina, mio-inositol, NAC e vitamina D podem melhorar as taxas clínicas de gravidez. Por outro lado, carecem de mais estudos sobre o papel de outros nutrientes como L-arginina, vitaminas do complexo B, C ou E.  No entanto, é fundamental que qualquer suplementação seja discutida com um médico ou nutricionista, considerando as necessidades individuais e evitando o risco de toxicidade por altas doses.

Resumo para leigos

Suplementos e vitaminas na síndrome dos ovários policísticos

Nos últimos anos têm crescido o interesse sobre o papel da suplementação de vitaminas e minerais na saúde da mulher. A avaliação nutricional adequada e a utilização de suplementos vitamínicos e medicações, pode potencializar a fertilidade feminina, especialmente no contexto da Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP).

Estudos atuais levam em conta o papel importante da alimentação, do estilo de vida e da suplementação vitamínica, sem deixar de lado tratamentos mais complexos de reprodução, quando necessário. Inclusive com melhores desfechos quando se lança mão de suplementação e acompanhamento adequado.

Sabe-se que a SOP é uma doença que está relacionada a múltiplos fatores. Neste sentido, ganha-se destaque suas alterações em relação ao aumento da resistência à insulina, relação com a obesidade, pior qualidade dos óvulos e inflamação sistêmica.

Na tentativa de melhorar os resultados de gestações de forma natural ou mesmo nas técnicas de reprodução artificial (como por exemplo: fertilização in vitro e inseminação intra-uterina), vê-se como promissor o uso de L-carnitina, Coenzima-Q10, melatonina, mio-inositol, N-acetilcisteína e vitamina D. Em contrapartida, ainda carecem de mais estudos a L-arginina, vitaminas do complexo B e vitaminas C ou E, pois não demonstraram aumento das taxas de gravidez quando utilizados.

Ainda que haja papel incerto dos efeitos da maioria dos nutrientes e antioxidantes no sucesso da gravidez de uma paciente que tem SOP, é importante discutir com seu médico um tratamento individualizado respeitando as suas necessidades nutricionais. Por último, é necessário estar ciente de que as vitaminas, os minerais e antioxidantes, no geral, não devem ser tomados sem a prescrição médica ou nutricional, pois em altas doses podem ser tóxicos.

Referências

Agarwal et al. Role of L-carnitine in female infertility. Reproductive Biology and Endocrinology (2018).

Demay et al. Vitamin D for disease prevention: a clinical practice guideline from the Endocrine Society, The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, Volume 109, Issue 8, August 2024, Pages 1907–1947, https://doi.org/10.1210/clinem/dgae290

MERVIEL et al. Impact of myo-inositol treatment in women with polycystic ovary syndrome in assisted reproductive technologies. Reproductive Health, v.18,n.1,p.1-8, 2021.

Pandey et al. The Role of Nutrient Supplements in Female Infertility: An Umbrella Review and Hierarchical Evidence Synthesis. Nutrients. 2024 Dec 27;17(1):57. doi: 10.3390/nu17010057. PMID: 39796491; PMCID: PMC11722770.

Teede HJ et al. Recommendations From the 2023 International Evidence-based Guideline for the Assessment and Management of Polycystic Ovary Syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2023 Sep 18;108(10):2447-2469. doi: 10.1210/clinem/dgad463. PMID: 37580314; PMCID: PMC10505534.

Yu et al. The impact of vitamin D supplementation on glycemic control and lipid metabolism in polycystic ovary syndrome: a systematic review of randomized controlled trials. BMC Endocr Disord  25, 110 (2025). https://doi.org/10.1186/s12902-025-01920-5

Publicado por
Anelise Silva França

Publicado por
Marcella Prado Araújo Brito

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